quarta-feira, 30 de novembro de 2011

LITERATURA ITPAC 2012 - O MENINO NO ESPELHO- FERNANDO SABINO

O Menino no Espelho, terceiro romance de Fernando Sabino, foi lançado em 1982. Nesta obra o autor nos conta sobre sua infância em Belo Horizonte, na década de 20. Com sotaque mineiro, a criança Sabino nos narra de maneira bem fantasiosa todo o seu mundo imaginário e simples. Conta-nos como Odnanref, sua identidade secreta, aprendeu a voar como os pássaros, como ensinou uma galinha a falar, sobre sua visita ao Sítio do Pica Pau Amarelo, sobre seu cachorro Hidenburgo e seu coelho Pastoof. Fernando começa a brincadeira conversando com seu espelho, aos poucos o reflexo vai tomando forma e vida, tornando-se seu grande amigo e companheiro de todas as suas peripécias e aventuras de criança.
Fernando Sabino relata em primeira pessoa (a própria estrutura do livro é “memorialística”) prováveis episódios sucedidos em seus tempos de infância, porém entremeados por boas doses de ficção, insuflando vida a algumas fantasias próprias da imaginação pueril – o que acaba conferindo ao livro um certo caráter de realismo fantástico.

Como em Peter Pan, o menino Fernando encarna, através de várias de suas travessuras, sonhos e fértil imaginário, a vivacidade e a pureza próprias da criança – como na passagem da libertação dos passarinhos, um libelo metafórico em prol da liberdade e contra a opressão, aliado a uma certa tonalidade anti-militarista – em contraposição ao universo controlado e algumas vezes bestial dos adultos. É o eterno “embate” menino x homem, infância x idade adulta, e como a primeira define a segunda, além de tentar persistir em conservar o máximo possível de sua inocência e imaginação mesmo depois do “amadurecimento”.

Através da prosa simples, poética e próxima do coloquial, além de muitas vezes apresentar-se – sobretudo nas falas do garoto – numa linguagem infantil, Fernando Sabino reconstrói todo o universo particular e inteligente das crianças – respeitando-as na sua complexidade e individualidade -, concebendo-as como simplesmente crianças e não adultos em miniatura – todavia contundentes na formação dos adultos que serão. E para dar mais autenticidade ao texto, é notória a honestidade com que as peripécias e experiências da infância, com todas as suas idiossincrasias e “absurdos”, são relatadas. Todo o sabor da infância – e numa época em que a meninada não conhecia o poder apelativo da Internet e dos videogames - está presente na obra, e com certeza nos fazem recordar a nossa própria infância.

O modo despojado e leve com que narra fatos aparentemente corriqueiros, também. Entretanto, em se tratando de um romance de recordações de seus tempos de criança em sua terra natal, é natural que alguns episódios sejam perceptivelmente fantasiosos. Trata-se sem dúvida de uma daquelas obras de Sabino, em que a naturalidade da narração não diminui em nada o clímax da história. Pelo contrário. A ingenuidade dos pensamentos do protagonista Fernando, quando criança, comove espontaneamente o leitor mais niilista.

Sua narração começa em meio a um temporal, que denunciava grosseiramente as goteiras de sua bucólica residência. Seu pai, sua mãe e irmãos, todos fazem parte da trupe de personagens. Enquanto brincava com as poças de água, provocadas pela chuva, o mesmo Fernando se depara com um homem que conversa brevemente com ele, se despedindo em seguida sem revelar o nome. O menino não sabia quem era aquele misterioso ser. Somente no final do livro é revelado ao leitor o paradeiro do individuo. Tratava-se do próprio escritor, já adulto, que em meio ao lirismo da prosa de Sabino, trava em determinado momento, um singelo contato com a sua versão mirim. Mesmo cercado por fatos prosaicos, tal ocorrido oferta bela dose de emotividade à obra.

Os eventos improváveis e fantasiosos, personificações das quimeras e aventuras imaginárias infantis, figuram na obra descritas com naturalidade e de forma espantosamente real – sem uma sugestiva atmosfera onírica -, desde o poder de fazer milagres que o menino adquire até a incrível descoberta no espelho, episódio que intitula o romance, inclusive de amplitude alegórica – mas que me recuso a discorrer porque resultaria num desagradável spoiler acerca do livro.

O surrealismo presente em O menino no espelho não se restringe à conversa atemporal do homem com a criança. Em dado momento da narração de suas peripécias juvenis, Fernando brinca e conversa com o seu reflexo no espelho, que por sua vez, ganha vida e passa a agir em vários momentos como o seu duplo. Tornam-se grandes amigos. Porém, quando descoberto por terceiros, o reflexo retorna ao seu mundo, o espelho, de onde jamais sairia novamente. Outros saudosos episódios infantis são contados primorosamente, como o primeiro amor, sua relação com os colegas da escola, a torcida pelo América de Belo Horizonte, o seu clube do coração, as brincadeiras com a amiguinha Mariana e o apego aos animais de estimação que povoavam a casa: um cachorro, um coelho, um papagaio e uma galinha, a quem batizou de Fernanda e salvou da “degola” na véspera desta se tornar o prato do dia na refeição.

Texto 1
O homem disse que tinha de ir embora – antes queria me ensinar uma coisa muito importante:

– Você quer conhecer o segredo de ser um menino feliz para o resto da vida?

– Quero – respondi.

O segredo se resumia em três palavras, que ele pronunciou com intensidade, mãos nos meus ombros e olhos nos meus olhos:

– Pense nos outros.

Na hora achei esse segredo meio sem graça. Só bem mais tarde vim a entender o conselho que tantas vezes na vida deixei de cumprir. Mas que sempre deu certo quando me lembrei de segui-lo, fazendo-me feliz como um menino. (SABINO, Fernando. O menino no espelho. 64 ed)

Questão 38

Considerando o Texto 1, é CORRETO afirmar que:

01. os pronomes sublinhados no trecho: sempre deu certo quando me lembrei de segui-lo (linhas 8 e 9) fazem referência, respectivamente, ao menino Fernando e ao homem Fernando.

02. a palavra que nas três ocorrências sublinhadas no texto (linhas 1, 4 e 7) está funcionando como pronome relativo, pois ao mesmo tempo em que liga orações também aponta para um antecedente.

04. o trecho: Só bem mais tarde vim a entender o conselho que tantas vezes na vida deixei de cumprir (linhas 7 a 9) pode ser substituído por: bem mais tarde é que vim a entender o conselho que tantas vezes na vida deixei de cumprir, já que tanto a expressão só como é que são recursos lingüísticos indicadores de ênfase.


08. a expressão verbal deixei de cumprir (linha 9) foi empregada para indicar anterioridade ao marco temporal passado vim a entender (linha 8).


16. o fragmento: Mas que sempre deu certo quando me lembrei de segui-lo (linhas 8-9) aponta uma causa cuja conseqüência está presente em: fazendo-me feliz como um menino (linhas 9).

Gabarito: 28 (04 + 08 + 16)
Questão 39

Assinale a(s) proposição(ões) CORRETA(S) a respeito de O menino no espelho, de Fernando

Sabino e do Texto 1.
01. É um romance biográfico, em flash-back, em que o narrador/protagonista relata aventuras

da infância de seu pai, como se pode constatar no Texto 5.
02. A atmosfera de infância, de aventuras e de invenções, evidenciada em episódios como o da revelação da Sociedade Secreta “Olho de Gato”, perpassa toda a narrativa.
04. A inversão “O menino e o homem” (prólogo) versus “O homem e o menino” (epílogo) pode ser aproximada à epígrafe do livro “O menino é o pai do homem”, de William Wordsworth, evocando a idéia de que o menino Fernando determinou o homem Fernando.

08. O detalhamento descritivo na criação de cenas é abundante em todo o romance, como é possível perceber em: Quando chovia... todo mundo levando e trazendo baldes, bacias, panelas, penicos... me divertia a valer quando uma nova goteira aparecia (p. 13).

16. O protagonista pode ser comparado a um herói quixotesco, ou bem-intencionado, uma

vez que está sempre em busca de conflitos para resolvê-los, como quando salva a galinha de “virar” molho pardo ou quando liberta todos os pássaros do viveiro do vizinho.
Gabarito: 30 (02 + 04 + 08 + 16)

QUESTÃO 14

Sobre O Menino no Espelho, de Fernando Sabino, todas as alternativas estão corretas, EXCETO

A) A narrativa apresenta o menino Fernando como leitor de histórias infantis e revistas em quadrinhos, tais como as de Robinson Crusoé, do Sítio do Pica-pau Amarelo, de Alice no país das maravilhas, de Tarzã e de Mandrake.

B) Os personagens dos livros e das histórias em quadrinhos vão seduzir o menino e motivá-lo a construir os seus brinquedos e histórias fantásticas.

C) O personagem Odnanref, que saiu do espelho, ajuda o menino Fernando a conseguir vencer o valentão de sua escola, Birica.

D) O autor Fernando Sabino utiliza o jogo dos espelhos como uma forma de fazer uma reflexão sobre a alma exterior e interior do ser humano.

C

17. Sobre O Menino no Espelho, todas as alternativas abaixo são corretas, exceto:

A- É o romance de Fernando Sabino que alcançou maior repercussão. "Publicado em 1956, é ainda bem aceito por tratar de uma geração. Não a dos anos vinte, mas a dos vinte anos, daí a sua permanência."

B-O romance narra as aventuras do garoto Fernando (próprio autor), que vai desde uma cumplicidade árdua com a galinha Fernanda, a quem salva da morte, passando por grandes aventuras com personagens das histórias infantis, e pelo Sítio do Pica-Pau Amarelo.

C - O protagonista Fernando torna-se o agente secreto Odnanref, campeão de futebol, herói escoteiro, o mais forte da escola.

D- Fernando Sabino, ainda menino diante do espelho, nos remete a um universo infantil intimista, na projeção de um ideal de pureza e ingenuidade que só uma criança poderia alcançar.

E - Andar de bicicleta, empinar uma pipa ou jogar bolinha de gude são coisas que se aprende quando se é criança para nunca mais esquecer. O menino que se vê refletido no espelho descobre o melhor de si mesmo e, como disse William Wordsworth, torna-se pai do homem.


A

LITERATURA ITPAC 2012 - GRANDE SERTAO VEREDAS


Guimaraes Rosa
O único romance escrito por Rosa, publicado no mesmo ano que Corpo de Baile [1956]. Obra-prima, traduzida para muitas línguas, é uma narrativa em que a experiência de vida e de texto se fundem numa obra fascinante, permanentemente desafiadora.
O romance se constrói como uma longa narrativa oral, Riobaldo, um velho fazendeiro, ex-jagunço, conta sua experiência de vida a um interlocutor, que jamais tem a palavra e cuja fala é apenas sugerida.

Conta histórias de vingança, seus amores, perseguições, lutas pelos sertões de Minas, de Goiás, do sul da Bahia, tudo isso entremeado de reflexões sobre tudo. Os demais personagens falam pela boca de Riabaldo, valendo-se de seu estilo de narrar e de suas características lingüísticas individuais.

As histórias de vingança, vão sendo emendadas, articulando-se com a preocupação do narrador de discutir a existência ou não do diabo , do que depende a salvação de sua alma.
Ocorre que , em sua juventude, para vencer seu grande inimigo Hermógenes, Riabaldo parece ter feito um pacto com o demo. Embora em muitos momentos isso pareça evidente, a existência ou não do pacto fica por conta das interpretações do leitor.

O poder corrosivo do tempo passado confunde os acontecimentos na mente do narrador, impedindo-o de separar o falso do verdadeiro, o vivido do imaginado. A opção pelo monólogo de caráter memorialista implica, no plano da narrativa, distribuição caótica da memória . Dessa forma, a linguagem assume, para o narrador, um poder mágico.

Falar a própria vida constitui a matéria narrativa, mas as dificuldades do viver e do narrar por distorcerem as duas práticas criam um texto ambíguo, tão enigmático quanto à vida, onde tudo é e não é, simultaneamente.

Além desses casos ligados à busca de Hermógenes e Ricardão, assassinos do chefe Joca Ramiro, e que constituem um dos fios da narrativa, existe também o plano amoroso. O amor de Diadorim é motivo de grandes preocupações para o narrador. Na verdade, Riobaldo conhece Diadorim a vida toda como homem- o valente guerreiro Reinaldo e só toma conhecimento de sua identidade feminina no final da luta, quando Diadorim é morto por Hermógenes.

De maneira geral , os críticos apontam tres planos no romance. O plano da vida de jagunçagem, que permite rastear os componentes geoeconômico-político sociais do sertão: o plano das reflexões, criado pelos temores de Riabaldo velho, revendo e avaliando o passado e sua própria vida; o plano mítico, centrado nos conflitos representados pelas forças da natureza.
O fragmento que transcrevemos de Grande Sertão: Veredas, traduz algumas reflexões de Riobaldo sobre a existência do diabo:
' Explico ao senhor, o diabo vive dentro do homem, os crespos do homem- ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si , cidadão, é que não tem diabo nenhum .Nenhum! é o que digo O senhor aprova? Me declare tudo, franco - é alta mercê que me faz; e pedir posso, encarecido. Este caso- por estúrdio que me vejam - é de minha certa importância. Tomara não fosse...

Mas, não diga que o senhor, instruído, que acredita na pessoa dele? Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já o campo! Ah, a gente , na velhice, carece de Ter sua aragem de descanso. Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito, Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu mesmo, este vosso servidor. Fosse lhe contar... Bem , o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até : nas crianças- eu digo. Pois não é ditado:' menino- trem do diabo'? E nos usos , nas plantas , nas águas, na terra, no vento... Estrumes....O diabo na rua , no meio do redemoinho

QUESTOES

1. (UFMG) Considerando-se a narração do julgamento de Zé Bebelo, em Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, é CORRETO afirmar que esse fato:
(A) significou a chegada de nova ordem jurídica ao sertão.

(B) aumentou o poder dos grandes chefes de jagunços.

(C) representou a continuidade do mando de Joca Ramiro.

(D) legitimou o princípio da vingança e o uso da violência.

2. (UFMG) É CORRETO afirmar que, entre os elementos que evidenciam a presença de intertextualidade na composição de Grande sertão: veredas, NÃO se inclui:

(A) o caso de Maria Mutema e Padre Ponte.

(B) a lembrança recorrente da toada de Siruiz.

(C) o relato do assassinato do chefe Zé Bebelo.

(D) a narração do pacto de Riobaldo com o diabo.

3. (UNIFESP) Leia o texto a seguir e responda à questão.
Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! — é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo, franco — é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso — por estúrdio que me vejam — é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela — já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter uma aragem de descanso. Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu mesmo, este vosso servidor. Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças — eu digo. Pois não é o ditado: “menino — trem do diabo”? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento... Estrumes... O diabo na rua, no meio do redemunho... (Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas.)

A fala expressa no texto é de Riobaldo. De acordo com o narrador, o diabo:
(A) vive preferencialmente nas crianças, livre e fazendo as suas traquinagens.

(B) é capaz de entrar no corpo humano e tomar posse dele, vivendo aí e perturbando a vida do homem.

(C) só existe na mente das pessoas que nele acreditam, perturbando-as mesmo sem existir concretamente.

(D) não existe como entidade autônoma, antes reflete os piores estados emocionais do ser humano.

(E) é uma condição humana e não está relacionado com as coisas da natureza.

4. (UNIFESP) Leia o texto a seguir e responda à questão.
Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! — é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo, franco — é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso — por estúrdio que me vejam — é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela — já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter uma aragem de descanso. Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu mesmo, este vosso servidor. Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças — eu digo. Pois não é o ditado: “menino — trem do diabo”? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento... Estrumes... O diabo na rua, no meio do redemunho... (Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas.)

A personagem Riobaldo dialoga com alguém que chama de senhor. Embora a fala dessa personagem não apareça, é possível recuperar, pela fala do narrador, os momentos em que seu interlocutor se manifesta verbalmente. Isso pode ser comprovado pelo trecho:

(A) O senhor aprova?

(B) Nenhum! — é o que digo.

(C) Não? Lhe agradeço!

(D) Tem diabo nenhum.

(E) Até: nas crianças — eu digo.

5. (UNIFESP) Leia o texto a seguir e responda à questão.

Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! — é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo, franco — é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso — por estúrdio que me vejam — é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela — já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter uma aragem de descanso. Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu mesmo, este vosso servidor. Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças — eu digo. Pois não é o ditado: “menino — trem do diabo”? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento... Estrumes... O diabo na rua, no meio do redemunho... (Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas.)
O texto de Guimarães Rosa mostra uma forma peculiar de escrita, denunciada pelos recursos lingüísticos empregados pelo escritor. Dentre as características do texto, está:

(A) o emprego da linguagem culta, na voz do narrador, e o da linguagem regional, na voz da personagem.

(B) a recriação da fala regional no vocabulário, na sintaxe e na melodia da frase.

(C) o emprego da linguagem regional predominantemente no campo do vocabulário.

(D) a apresentação da língua do sertão fiel à fala do sertanejo.

(E) o uso da linguagem culta, sem regionalismos, mas com novas construções sintáticas e rítmicas.

6. (IBMEC) Utilize o texto a seguir para responder ao teste.
Amor e morte
“Eu dizendo que a Mulher ia lavar o corpo dele. Ela rezava rezas da Bahia. Mandou todo o mundo sair.

Eu fiquei. E a Mulher abanou brandamente a cabeça, consoante deu um suspiro simples. Ela me mal- entendia.

Não me mostrou de propósito o corpo. E disse…

Diadorim — nu de tudo. E ela disse:

— ‘A Deus dada. Pobrezinha…’

E disse. Eu conheci! Como em todo o tempo antes eu não contei ao senhor — e mercê peço: — mas para o senhor divulgar comigo, a par, justo o travo de tanto segredo, sabendo somente no átimo em que eu também só soube… Que Diadorim era o corpo de uma mulher, moça perfeita… estarreci. A dor não pode mais do que a surpresa.

A coice d’arma, de coronha…

Ela era. Tal que assim se desencantava, num encanto tão terrível; e levantei mão para me benzer — mas com ela tapei foi um soluçar, e enxuguei as lágrimas maiores. Uivei. Diadorim! Diadorim era uma mulher. Diadorim era mulher como o sol não acende a água do rio Urucúia, como eu solucei meu desespero.

O senhor não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real.

Eu estendi as mãos para tocar naquele corpo, e estremeci, retirando as mãos para trás, incendiável; abaixei meus olhos. E a Mulher estendeu a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca.

Adivinhava os cabelos. Cabelos que cortou com tesoura de prata… Cabelos que, no só ser, haviam de dar para abaixo da cintura… E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo:

— ‘Meu amor!…’

Foi assim. Eu tinha me debruçado na janela, para poder não presenciar o mundo.

A Mulher lavou o corpo, que revestiu com a melhor peça de roupa que ela tirou da trouxa dela mesma. No peito, entre as mãos postas, ainda depositou o cordão com o escapulário que tinha sido meu, e um rosário, de coquinhos de ouricuri e contas de lágrimas-de-nossa- senhora. Só faltou — ah! — a pedra-de-ametista, tanto trazida…

O Quipes veio, com as velas, que acendemos em quadral. Essas coisas se passavam perto de mim. Como tinham ido abrir a cova, cristãmente. Pelo repugnar e revoltar, primeiro eu quis: — ‘Enterrem separado dos outros, num aliso de vereda, adonde ninguém ache, nunca se saiba … ’ Tal que disse, doidava. Recaí no marcar do sofrer. Em real me vi, que com a Mulher junto abraçado, nós dois chorávamos extenso. E todos meus jagunços decididos choravam… Daí, fomos, e em sepultura deixamos, no cemitério do Paredão enterrada, em campo do sertão.

Ela tinha amor em mim.

E aquela era a hora do mais tarde. O céu vem abaixando. Narrei ao senhor. No que narrei, o senhor talvez até ache mais do que eu, a minha verdade. Fim que foi.” (ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986, p. 530-1)
A que verdade Riobaldo, o narrador, se refere?

(A) Ao fato de que Diadorim andava disfarçada porque não correspondia ao sentimento que Riobaldo nutria por ela.

(B) Ao fato de tanto terem lutado e, mesmo assim, perderem a luta pela posse e domínio das terras do lugar.

(C) Ao misticismo que acompanhava Diadorim. Tanto é que se fez enterrar com escapulário, rosário e pedra de ametista.

(D) Ao iminente fim do bando a partir da morte de Diadorim que era comandante da tropa.

(E) Ao fato de que ele se sentia totalmente atraído por Diadorim, mesmo antes de saber que ela era mulher.


7. (IBMEC) Utilize o texto a seguir para responder ao teste.

Amor e morte

“Eu dizendo que a Mulher ia lavar o corpo dele. Ela rezava rezas da Bahia. Mandou todo o mundo sair.

Eu fiquei. E a Mulher abanou brandamente a cabeça, consoante deu um suspiro simples. Ela me mal-entendia.

Não me mostrou de propósito o corpo. E disse…

Diadorim — nu de tudo. E ela disse:

— ‘A Deus dada. Pobrezinha…’

E disse. Eu conheci! Como em todo o tempo antes eu não contei ao senhor — e mercê peço: — mas para o senhor divulgar comigo, a par, justo o travo de tanto segredo, sabendo somente no átimo em que eu também só soube… Que Diadorim era o corpo de uma mulher, moça perfeita… estarreci. A dor não pode mais do que a surpresa.

A coice d’arma, de coronha…

Ela era. Tal que assim se desencantava, num encanto tão terrível; e levantei mão para me benzer — mas com ela tapei foi um soluçar, e enxuguei as lágrimas maiores. Uivei. Diadorim! Diadorim era uma mulher. Diadorim era mulher como o sol não acende a água do rio Urucúia, como eu solucei meu desespero.

O senhor não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real.

Eu estendi as mãos para tocar naquele corpo, e estremeci, retirando as mãos para trás, incendiável; abaixei meus olhos. E a Mulher estendeu a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca.

Adivinhava os cabelos. Cabelos que cortou com tesoura de prata… Cabelos que, no só ser, haviam de dar para abaixo da cintura… E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo:

— ‘Meu amor!…’

Foi assim. Eu tinha me debruçado na janela, para poder não presenciar o mundo.

A Mulher lavou o corpo, que revestiu com a melhor peça de roupa que ela tirou da trouxa dela mesma. No peito, entre as mãos postas, ainda depositou o cordão com o escapulário que tinha sido meu, e um rosário, de coquinhos de ouricuri e contas de lágrimas-de-nossa-senhora. Só faltou — ah! — a pedra-de-ametista, tanto trazida…

O Quipes veio, com as velas, que acendemos em quadral. Essas coisas se passavam perto de mim. Como tinham ido abrir a cova, cristãmente. Pelo repugnar e revoltar, primeiro eu quis: — ‘Enterrem separado dos outros, num aliso de vereda, adonde ninguém ache, nunca se saiba… ’ Tal que disse, doidava. Recaí no marcar do sofrer. Em real me vi, que com a Mulher junto abraçado, nós dois chorávamos extenso. E todos meus jagunços decididos choravam… Daí, fomos, e em sepultura deixamos, no cemitério do Paredão enterrada, em campo do sertão.

Ela tinha amor em mim.

E aquela era a hora do mais tarde. O céu vem abaixando. Narrei ao senhor. No que narrei, o senhor talvez até ache mais do que eu, a minha verdade. Fim que foi.” (ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986, p. 530-1)

O texto nos apresenta um suposto interlocutor que nunca toma a palavra. A conversa de Riobaldo com o tal interlocutor revela que:
(A) De fato o narrador fez um pacto com o diabo e o “diálogo vazio” era conseqüência deste ato.

(B) Para Riobaldo servia como reflexão em voz alta sobre os mistérios da condição humana.


(C) A carência do jagunço era tamanha que, em vários momentos, ele desanda a falar como se fosse uma ameaça à própria existência.

(D) É um recurso estilístico muitíssimo utilizado, servindo para o autor como desabafo perante tanta dor e tanta miséria.

(E) É recurso característico dos textos dissertativos já que o que se busca é o fundamento para a argumentação.

8. (ESPM) Leia o texto:

O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. E, outra coisa: o diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro — dá gosto! A força dele, quando quer — moço! —me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho — assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza.” (Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa)
Marque a afirmação que NÃO corresponde:

(A) trata-se de uma narrativa oral, perceptível pelo uso de vocativos como “senhor” e “moço”.

(B) Deus age sutilmente (“lei do mansinho”), enquanto o diabo o faz de maneira escancarada (“às brutas”)

(C) na vida, tudo flui incessantemente, nada é estático: “as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas”.

(D) o milagre resulta do inesperado, do modo contido (“se economiza”), e não do espalhafatoso.

(E) o termo “traiçoeiro” atribuído a Deus possui um sentido pejorativo, depreciativo.

9. (UNIFESP/SP)
(...) Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! Porque existe dor. E a vida do homem está presa encantoada – erra rumo, dá em aleijões como esses, dos meninos sem pernas e braços. (...) (Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas.)
O texto de Guimarães Rosa mostra uma forma peculiar de escrita, denunciada pelos recursos lingüísticos empregados pelo escritor. Dentre as características do texto, está:

(A) o emprego da linguagem culta, na voz do narrador, e o da linguagem regional, na voz da personagem;

(B) a recriação da fala regional no vocabulário, na sintaxe e na melodia da frase;

(C) o emprego da linguagem regional predominantemente no campo do vocabulário;

(D) a apresentação da língua do sertão fiel à fala do sertanejo;

(E) o uso da linguagem culta, sem regionalismos, mas com novas construções sintáticas e rítmicas.

10. (IELUSC) Texto para a próxima questão:
O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. [...] Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar, dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. (Guimarães Rosa)

O texto é um fragmento de Grande sertão: veredas (1956), único romance de Guimarães Rosa. Sobre esta grandiosa obra, assinale a alternativa CORRETA.

(A) Trata-se de uma história em que o autor fala da vida dos cangaceiros, “os errantes sem eira nem beira”, que sofriam com o calor das matas amazônicas.

(B) É uma história apresentada como um imenso monólogo em que Riobaldo, ex-jagunço do norte de Minas e agora pacato fazendeiro, conta os casos que viveu a um compadre.

(C) Conta a saga de Severino, um retirante que atravessa o sertão de Pernambuco em busca de uma vida mais digna.

(D) Narra a história de amor entre Gabriela e Nacib, tendo os traços exóticos da região de Ilhéus como cenário.

(E) Valendo-se do realismo fantástico em sua segunda parte, traz, como personagens centrais, mortos que ressuscitam para denunciar a corrupção dos vivos.

11. (UNILAVRAS) Com relação à obra Grande Sertão: veredas, de João Guimarães, podemos afirmar:
I- O personagem principal, Riobaldo, é um exjagunço do norte de Minas que gasta seu tempo com conversas com as pessoas que passam pelo local.

II- Riobaldo, o personagem-narrador conta sua vida, numa espécie de monólogo ininterrupto, a um interlocutor que jamais tem a palavra.

III- O narrador-personagem, apesar de ter pertencido à plebe rural e ter aderido à jagunçagem, recebeu educação formal, o que justifica o caráter metafísico de seu discurso.
(A) Apenas a alternativa I está correta.

(B) Apenas a alternativa II está correta.

(C) Apenas a alternativa III está correta.

(D) Estão corretas apenas as alternativas II e III.

(E) Todas as alternativas estão corretas.